Silvio Dworecki
Acolá #01
Série
Em Acolá #01, Silvio Dworecki cria visões turvas da cidade filtradas, no entanto, pela intensidade cromática. Colando suas paletas de pinturas, que podemos chamar também de nódulos cromáticos, feitas de filme de pvc na janela de seu apartamento em São Paulo, no bairro de Santa Cecília, durante o isolamento da pandemia de Covid-19, o artista criou um duplo efeito: uma vitrine de cores na superfície de vidro, para quem olha da rua; e uma vista da cidade filtrada por essas camadas de superfície muito fina e engruvinhada, para quem está dentro do apartamento. A cidade, desse modo, passa a ser vista por frestas, nublada em sua nitidez, embaçada pelos planos de cor e dobras do plástico,
Guilherme Wisnik
2022
e por outros materiais que Dworecki vai agregando, como papéis e jornais, numa atualização das colagens cubistas de 100 anos atrás,só que agora nas janelas da cidade. As visões de São Paulo que temos a partir de então são estranhamente oníricas e pouco identificáveis, o que reforça a nossa imaginação, ao mesmo tempo que a vontade de esquadrinhá-la. Onde estamos? Será São Paulo esse lugar? Em qual bairro?
Acolá #01 foi feito durante o isolamento devido à Pandemia de 2020 nas paisagens que se descortinam das janelas do Ateliê de Silvio Dworecki.
NO BODY, everywhere and forever
Galeria Virgilio
A ideia de um museu laboratório, em consonância com o debate artístico e expositivo internacional, para que jovens artistas pudessem desenvolver seus trabalhos conceituais e processuais foi premissa das ações do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) nas exposições “Jovem Arte Contemporânea” (JACs), desde o início dos anos 1960. Essa prática passa a ser mais radical ao final da década e início dos anos 1970 consolidando as atividades dirigidas por Walter Zanini e sua equipe, e oferecendo para aquela geração um espaço de visibilidade. Dessa forma, o Museu contornou atos de censura recorrentes no período da ditadura, tornando-se lugar de divulgação e debate cultural.
As JACs, o que hoje esclarece o interesse que despertam, borraram as noções artísticas e também políticas propondo imersão em processos vivenciais, investindo na desmaterialização do objeto artístico, na desconstrução da estereotipia ideológica e elegendo o corpo como eixo incontornável para a liberação em todas as dimensões da vida.
Silvio Dworecki foi participante da ebulição das JACs dos anos 1970 e desde então exibe em seu trabalho - além da curiosidade e trânsito por variadas mídias e técnicas - interesse nas representações da
paisagem e do corpo, inclusive em suas semelhanças e sobreposições.
Esta motivação inclui o exercício performático e contínuo,
Mirtes Marins de Oliveira
2017
registrado a partir de fotografias, que se desdobram em anotações gráficas e pictóricas. A ação inicial – as sombras de um corpo em performance – capturada em fotografias, é projetada e reconstruída em pinturas. Estas são realizadas novamente sob a mira da câmera fotográfica que gera novas tomadas, que passam a fazer parte de vídeos, outras pinturas e projetos. Dessa forma, o trabalho é uma performance estendida que, em sua duração, se prolonga e se atualiza, ao ser revisada e recoberta por novas intervenções do corpo sobre o já realizado, que vão alterando a captura inicial. O que o artista apresenta em NO BODY são os indícios recolhidos de forma sistemática e recorrente que perfazem uma obra em continuum, na qual camadas sucessivas e simultâneas – de matérias, intervenções e significados – se sobrepõem infinitamente formando uma coleção ilimitada.
Esta performance de longa duração e seus documentos se ampliam para além das ações do artista, já que fotografias, pinturas e vídeos de NO BODY reafirmam ou se requalificam em relação a outros trabalhos quando colocados em outros contextos expositivos. Vinte anos atrás, seu livro Camadas de Tempo (1966-1997), celebrava seus 30 anos de carreira e já apontava para um horizonte no qual perduram os aspectos vivenciais e em busca de palimpsestos, do qual NO BODY é momento referencial.
Ala
Pintura
Pintura: traços diáfanos de um rosto feminino aquoso escorrendo sem contorno, borrado, violáceo em seu todo, vermelha a boca, mais espessa
Cena: um rosto que poderia ser de Ofélia nos olhando como fazem as musas de Hollywood ou Sylvia Plath de dentro de um filme que ninguém soube a existência e agora vem à tona num só take, num só rosto, extraído de um arquivo e com fungos talvez que supomos pela imagem pixelada e o chiado, de listras coloridas dizendo o tempo que passou, o tempo que agora é uma estética do tempo e uma poética que diz sim, o rosto fala, fala muito, o rosto tem o dom obscuro de falar da avalanche de memórias que ele mesmo nos desperta, quando nos olha e se desdobra se sobrepondo a si mesmo num feixe de imagens renovadas que retornam, transcendendo o próprio rosto que nada imita,
Renata Huber
2017
que é de novo, o sentido que cada um dá a ele quando o vê por dentro enxergá-lo fora do circuito, da arte, quero dizer, que tem lá os seus vícios, seus esquemas de onde sempre a poesia se põe em fuga e o artista, se é artista, acaba por fugir, como então é o seu caso, Sivio Dworecki, que fez de um rosto de mulher um trabalho de arte que me fala muitas coisas sobre a arte, arte e vida, sobre a ética relação que se impõe e eu sinto, eu sei bem farejar onde a coisa toda ferve e onde tudo ainda responde por amor e é real, sagrado como estória de um santo cuspindo flores e como muitos dos diálogos que nós tivemos até aqui, até o rosto do seu trabalho me dizer isso mesmo, isso que há tanto tempo eu vinha tateando e agora se faz vivo, em texto, aqui, nessa camada que é também parte do trabalho e expõe a veia fundamental de nossa essência, nossa busca....
Luminiscências
Série
Centenas de fósforos queimados em garrafas
talvez milhões, empilhados
em garrafas transparentes
Isso tem um cheiro, um cheiro forte
o que é isso ?
isso tem um número e me olha
me perturba
então é natural, tudo bem, tudo azul
não é uma bomba, é uma obra
escuta
poderia estar agora num museu e está
em tua casa, em silêncio
e o fogo crepitando faz parte
eu posso ler
as chamas ainda sobem, serpentes infernais
os fósforos ainda tem algo a nos dizer
eles conversam entre si
estão presos, são milhões
suas línguas pesam muito, toneladas, parecem chumbo
mas as garrafas estão leves se olharmos de viés há nelas digitais, a história te pegou
é justo que assim fosse, você tocou
na ferida
seus dedos não me enganam, tampouco os olhos
veja
isso é o horror
é memória, isso vive
atravessa as gerações e vira a mesa
se transforma
para a minha e a tua sorte acorda os mortos
acorda os vivos
não é milagre nem relíquia
não é fácil, eu sei
pode estar agora em cada fósforo, em você
em tudo que eu calei pra te dizer que escutei
a força do teu grito
a mensagem
vozes
o espírito da obra
flutuando
flutuando....
Renata Huber
2017
O Eixo
A arte comporta a capacidade de criar situações em que a realidade passa a ser vista com outros olhos. É justamente isso o que ocorre com o trabalho de Silvio Dworecki. Ao longo de sua trajetória, existem algumas permanências que vão conformando uma interpretação visual.
Uma dessas marcas está na presença de linhas verticais que auxiliam na composição das imagens e estabelecem um mundo caracterizado pela construção de obras que se distinguem por uma pesquisa de materiais que o acompanha desde o início da carreira, enriquecida pelo diálogo com os mestres Mário Schenberg e Flávio Motta.
Na série denominada Eixo aparecem questões fundamentais de sua poética, que inclui, por exemplo, o uso de pigmentos e cinzas diretamente depositadas sobre a tela sem o uso do pincel. Existe nesse processo a convicção de ver a arte como um campo em que busca é um absoluto constante.
A fascinação pelas cinzas provém de um histórico familiar, que remete à experiência dos pais, judeus poloneses que vivenciaram a Segunda Guerra na Europa, marcada pela destruição dos bombardeios, escapando da perseguição nazista. Essas imagens das ruínas e do poder do fogo o encantaram.
O resultado plástico não se dá apenas sobre a tela, mas envolve também a criação de livros de artista com papel queimado. Cada um deles é absolutamente único, pois a maneira do fogo interagir com o material ganha as mais diversas expressões, numa espécie de caleidoscópio de formas e nuances cromáticas delicadas.
Essa mesma solenidade, numa atmosfera densa, se faz presente em cadernos sobre o 11 de setembro de 2001. Páginas de notícias de jornal a respeito do atentado são colocadas em envelopes plásticos com carborundum.
Oscar D’Ambrosio
2009
Resulta daí um efeito sonoro ao virar as páginas e a incômoda presença das cinzas que remetem ao fato histórico.
O trabalho com cimento, que endurece e cristaliza o efêmero torna-se ainda um exercício de congelar o tempo. O instante surge onipresente com os mencionados eixos e incisões, literais, no sentido do que se realiza numa placa de gravura, ou gráficas, como na pintura e na monotipia.
A discussão que Dworecki instaura é a do encantamento do fazer. As cinzas são ruínas da civilização, mas, ao mesmo tempo, numa das versões do mito grego da criação do ser humano, é delas – onde estavam o lado divino de Zagreu, filho de Zeus, e dos titãs que haviam devorado esse primeiro Dionísio – que Prometeu molda o homem.
O ser humano pode então ser considerado uma mescla da divindade primordial com o aspecto irascível dos titãs. Nesse sentido, a obra plástica do artista paulistano traz um poder demiúrgico, mesmo em trabalhos mais recentes, quando o eixo é deslocado e curvado, ele se faz presente como uma referência, mesmo que exista para ser destruída.
Cinzas, pigmentos e verticalidade compõem um universo arrojado. O percurso é complementado pelas experimentações editadas em cadernos e pelas monotipias realizadas sobre papéis vegetais coloridos. O conjunto formado traz à tona um artista digno desse nome, revelador de um pensar sobre a vida e sobre o próprio fazer da arte.
Conversão cor-luz
MASP
O que se realiza. Uma consciência e uma poética dos espaços organizados e dos planos em harmonia formais e tonais, cujo princípio se apoia no sólido conhecimento dos materiais, na percepção sensível de suas qualidades estruturais, de textura de cor.
Na diversidade material. No planejamento intuitivo e emotivo e na composição de corrente desse planejamento, espécie de arquitetura planar e dos volumes.
No desenho, na pintura e na escultura. Na cenografia e na gravura. Na ampla disponibilidade dos meios e dos procedimentos.
Tais qualidades nos surpreendem, tanto num desenho de simples anotação conceitual, muitas vezes apenas esboçado ou indicado, quanto na pintura ou nos objetos mais elaborados. O mesmo princípio e uma fidelidade aos critérios adotados nas diferentes abordagens são considerados.
Evandro Carlos Jardim
1997
A luz e a cor são os instrumentos condutores da sensação, da expressão e de uma ideia. Da percepção também, como um processo do pensamento.
A certeza que se tem é que, sendo um construtor por excelência, Silvio Dworecki faz desses elementos o objeto essencial e o corpo interno de seu trabalho. Um vértice que se define ao atingi-lo.
O que se revela. São representações e significações essenciais da luz que, na pintura, no desenho ou na superfície do objeto tridimensional, sendo luz ainda, essa luz é significada pela cor em possíveis conversões e na concessão objeto iluminado-cor imanente. Na linha, na realidade do objeto, na construção em pintura.
Ventos de Luz
MASP
Revendo um desenho de Silvio Dworecki feito em 91, de título sugestivo e bem humorado, o “ataque às cores primárias”, mais uma partida que uma batalha,
- a figura de um barco que é também a figura de um prisma iridescente intuindo muitas cores num luzeiro de prata percebe-se já uma procura de condensação e síntese na representação ao serem priorizados antes, os valores plásticos, o próprio fato plástico.
Em seu trabalho mais recente, um rigor construtivo se impõe como princípio de composição pictórica,
Evandro Carlos Jardim
1997
sem entretanto deixar trair a emoção e a fantasia. Emoção e ordem. Sem a intenção de “ato crítico”, mas como observador interessado na evolução e nos desdobramentos de um pensamento visual, fica a sugestão para que se avalie, examine e considere com atenção esse novo passo em sua obra.
Um trabalho de construção plena pela conversão da cor em luz. Neste sentido há com certeza um caminho de boa trilha: “ventos de luz”.
Silvio Dworecki
Galeria Paulo Prado
No momento que toda a cidade se discute calorosamente, esse lugar que se constrói como expressão da consciência sobre a vida e nosso destino, surge como esperança a presença da arte: da formalização da criatividade.
A pintura, como notícia, ressalta o personagem pintor. Aquele que conta uma história tão antiga, falando de um futuro projeto de uma maneira cujo único argumento é a sedução.
É ver para viver.
Reflexões sobre objetos, personagens, flores e cidades são quadros de uma exposição. Não podemos perdê-la. E são pinturas do Silvio.
Do pintor que diz
“...uma sociedade onde poucos desenham... as escolas… é lá que as crianças deixam de desenhar quando se alfabetizam”, queremos muito ver os quadros.
Porque não é o caso de acreditar em vocação, mas no trabalho procurado, projetado.
O pintor que tem uma consciência
que é possível se ver.
Paulo Mendes da Rocha
1986
No ano de 1966, quando o Silvio tinha 16 anos, Sérgio Ferro, Maurício Nogueira Lima e Mário Schenberg devem ter se impressionado muito com esse Jovem Pintor que então recebeu o “Prêmio de Pintura” no 1º Salão de Arte Moderna de Campinas.
Quem lembra os trabalhos da Exposição de Novembro de 1982 na Paulo Figueiredo “ANGRA”, “JARAGUÁ” e vê agora os quadros AVÔ ( Cracóvia)
e MARAVILHOSA: A CIDADE ( Vista do Rio de Janeiro), sente uma forte emoção: A cidade como lugar desejado; tempo de memória (teria mesmo existido essa casa, Cracóvia?),e a MARAVILHOSA desta outra
(onde estaria?), vista só como fantasia, de longe, como céu absurdo de falsas estrelas e eu mesmo? “onde é que eu vou morar”?
Por onde anda Chagall e seus amantes voadores!?
Abraço o Silvio e até a próxima Exposição
Especulando, Jarágua e Angra
Paulo Figueiredo Galeria de Arte
do lado de lá
a menina
do lado de cá,
da rua,
Ernesto
ele convidou
para uma festa
“nós fomos lá...
(sem metafísica)
...e não encontramos
ninguém.”
mas havia espelho
então especulamos
sobre nós mesmos
já que não podíamos
especular como os antigos.
desenhávamos.
desenhamos:
o já visto;
o ainda não visto.
ou a própria especulação.
para chegar, era necessário um roteiro,
um mapa,
Flavio Motta
1982
uma orientação qualquer
afinal, também conhecíamos a
instabilidade diagonal da travessia.
de repente, o preto
era compacto
e fundo.
como “quem abre uma porta
numa parede sem porta”
essas construções mexem
com a gente!
havia o estalar do estilete
mas também havia
o giz e o pastel que estão a meio
caminho do traçado
e da pintura.
a cor, mais luminosa.
e o carvão?
é macio, mas também áspero
e o homem?
por onde anda
com sua instabilidade?
e o poeta, a menina, a personalidade?
no entre-meio.
Da escolha da cor à construção da paisagem.
Galeria SESC Paulista.
Silvio Dworecki apresenta nesta exposição trabalhos que se definem como etapas de um processo de produção artística. Não parece ter a intenção de explicar este processo, apenas revelá-lo.
Utiliza a cor como elemento básico do seu projeto. Manchas de cor procurando harmonias cromáticas, formas coloridas se articulando e procurando estruturar sua relação com o campo plástico, o gesto traduzido pelo movimento da cor lançada livremente.
Cada prancha registra um momento da sua proposta
Renina Katz
1980
e marca a intenção do artista: Da escolha da cor à construção da paisagem.
A paisagem é a noção de lugar, é um espaço onde a relação Homem/Natureza se modifica constantemente. É um espaço/lugar que pertence a todos. Por isso que o tema – Paisagem me parece ser uma das formas de tratar o universal.
Silvio, com esta série, se empenhou em conseguir esta síntese. Ultrapassando a simples narração constrói, reconstruindo poeticamente um lugar da Paisagem Urbana.